Sindicato critica contratação de instrutores terceirizados para reforço escolar
Dados apontam redução de gastos com o setor em BH; Smed afirma que os profissionais vão apoiar e não substituir os professores
Foto: Rodrigo Clemente/PBH
A abertura de edital pela Prefeitura de BH para contratação de Organizações da Sociedade Civil (OSCs) para oferta de reforço escolar no contraturno das escolas da rede pública municipal desgradou professores e sindicalistas, que criticam a política de terceirização de funções que deveriam ser desempenhadas por efetivos e a crescente transferência de recursos para instituições privadas. Em audiência da Comissão de Administração Pública nesta quarta-feira (8/6), o sindicato que representa os trabalhadores da educação (SindRede-BH) defendeu a realização de concursos públicos, valorização salarial e mais investimentos no setor, que, conforme os números apresentados pelo Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos (Ilaese), tiveram uma redução significativa nos últimos anos, mesmo com o aumento da arrecadação do Município. Iza Lourença (Psol), que requereu o debate, vai pedir esclarecimentos à PBH sobre incongruências verificadas pelo Ibase na prestação de contas e encaminhar o ofício trazido pelo SindRede.
Iza Lourença explicou que a audiência foi solicictada pelos trabalhadores com o objetivo de abrir espaço no Legislativo para a discussão da política de terceirização da educação na cidade diante desse novo avanço, contestado pelos professores e servidores efetivos, e dar voz às suas considerações e reivindicações. Antes de ouvir o Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Publica Municipal de Belo Horizonte (Sind-Rede) e a Prefeitura, a vereadora passou a palavra a Gustavo Henrique Lopes Machado, um dos coordenadores do Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos (Ilaese), que realiza estudos e análises baseados em dados concretos para sindicatos. O pesquisador exibiu resultados parciais do Monitor Econômico nº 11 sobre a situação de BH, contendo valores atualizados e tabelas comparativas que apontam redução expressiva dos gastos com a folha salarial e o aumento da terceirização na educação.
A redução dos gastos vai na direção contrária do aumento real da receita do Município, que em cinco anos creceu duas vezes mais que a inflação. Entre 2019 e 2022, a arrecadação apurada no 1º quadrimestre pulou de R$ 3,9 bilhões para R$ 5,6 bilhões. O superávit no final de 2021 foi superior a R$ 1 bilhão. A porcentagem de gastos com pessoal, de 36,1% em 2022, está bem abaixo do limite prudencial de 51,3% e mais ainda do limite total de 54% previstos na Lei de Resposabilidade Fiscal; em 2018, foi de 44,6%. A utilização de recursos do Fundeb, cuja receita aumentou em 12% e 15% em 2021 e 2022, também indica redução evidente. O estudo aponta ainda diferenças de até 33% nos valores declarados pelo Município ao Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi) do Tesouro Nacional e ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que deveriam ser idênticos.
Desvalorização dos professores
As diretoras do Sind-Rede Flávia Silvestre e Diana de Cássia acham “um absurdo” que o reforço escolar e a superação das lacunas de aprendizagem geradas pelos dois anos de fechamento das escolas sejam feitos por instrutores terceirizados sem a formação adequada, que terão de passar por capacitação, e não por professores qualificados que acompanham diariamente os alunos dentro das salas de aula. Elas criticaram a crescente transferência de responsabilidades dos trabalhadores da educação e do dinheiro público para a iniciativa privada. A contratação das OSCs, estendendo a terceirização a atividades-fim, segundo as sindicalistas, não apenas desvaloriza os efetivos, que vêm adoecendo cada vez mais, mas representa um retrocesso na construção de um projeto educacional integral na rede municipal e mais um avanço na política de desmonte da educação pública, gratuita e de qualidade.
As representantes dos professores defenderam que até mesmo a monitoria das atividades do contraturno, como artes, deveriam ser exercidas por efetivos com formação nas respectivas áreas, selecionados por concurso público. Elas também apontaram a precariedade das condições de trabalho e da remuneração dos trabalhadores terceirizados. Raquel de Oliveira, profissional de Apoio ao Educando que auxilia o atendimento aos alunos com deficiência, disse que a empresa MGS, pela qual foi contratada, não oferece capacitação para desempenho da função, o que era feito pela Prefeitura. Ela também defendeu a efetivação dos terceirizados, inclusive faxineiros, porteiros e cantineiras das escolas.
Secretária nega precarização
Participando virtualmente, a secretária municipal de Educação Ângela Dalben pediu que o debate não assuma o tom de denúncia e desconfiança demonstrado pelo coordenador do Ilaese, já que a pandemia impactou todas as partes e o trabalho de recuperação deve ser conjunto, com foco no aluno. Segundo ela, a contratação está sendo feita em conformidade com o Decreto Municipal 16.746/2017 e a Lei Federal 13.019/2014, que regulamentam as parcerias com entes da sociedade civil. A gestora ressaltou que existem dois Planos de Reforço distintos, um na sala de aula a ser aplicado pelos professores e outro no contratutrno para dar apoio e não sobrecarregar os docentes. Ela lembrou que a terceirização na educação não é novidade em BH e citou o êxito da Escola Integrada e da ampliação da rede de creches parceiras a partir de 2017, que permitiu o atendimento das mais de 37 mil crianças de 0 a 3 anos que aguardavam vagas na rede pública.
Fernanda Neves, diretora de Gestão de Pessoas da Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão, citou avanços desta gestão na rede municipal e na valorização dos efetivos, como a reforma na educação infantil, construções previstas e realizadas de unidades, realização de concurso público em 2017 que selecionou 4.713 professores de educação infantil e 1.644 do ensino fundamental e outro que será homologado em setembro deste ano, além da equiparação gradativa das carreiras, prestes a ser totalmente finalizada com a aprovação do projeto da Prefeitura. O reajuste acumulado da categoria, segundo ela, foi de 115% e, contabilizando as progressões e quinquênios, chega a 174,8%; o aumento na folha de pagamento do setor foi de 42,2% desde 2016.
Debate continua
Flávia Silvestre e Diana de Cássia mantiveram sua posição, afirmando que o momento não é de recapitular o que foi realizado e que a unversalização dos serviços não justifica o achatamento dos salários e a precarização do trabalho, que deve ser desempenhados por servidores de carreira. O ensino público, em seu entendimento, não pode se espelhar na classe média, que contrata professores particulares para reforço, nem ser “um celeiro de organizações” sem relação com as escolas e as comunidades, que recebem dinheiro público, não prestam contas e pagam mal os contratados. Ângela Dalben reforçou que o protagonismo da rede é dos professores, que coordenam as atividades dos terceirizados, negou a falta de transparência e afirmou que os requisitos exigidos na seleção são rigorosos e acompanhados pelo Município.
Wilsinho da Tabu (PP) reafirmou que é dever da Câmara buscar sempre aumentar o acesso a informações claras e compreensíveis. Como exemplo dessa atuação, ele citou o PL 254/2022, assinado por ele e três colegas, que estabelece normas para aprimorar a governança e a fiscalização do atendimento às regras legais e aos instrumentos de execução orçamentária e financeira do município. Iza Lourença ressaltou que o espaço continua aberto para ouvir as reivindicações e mediar o diálogo em outras reuniões. A vereadora se comprometeu a encaminhar à PBH, por meio da Comissão de Administração, um pedido de informação sobre as discrepâncias de valores informados ao Siconfi e ao FNDE e uma cópia do ofício elaborado por professores e diretores de escolas, trazido pelo SindRede.
Superintendência de Comunicação Institucional