Acolhimento, escuta e diálogo ajudam estudantes a lidar com sentimentos
Isolamento social e dificuldades vividas na pandemia aumentaram casos de adoecimento mental; abordagem é intersetorial
Foto: Barbara Crepaldi/CMBH
O fechamento das escolas por mais de 400 dias, que alterou a rotina doméstica e estudantil e suprimiu a convivência com os colegas, potencializou, reconhecidamente, o adoecimento mental de crianças e adolescentes. O retorno à escola após dois anos, longe de ser apenas uma “volta ao normal”, traz novas angústias e necessidade de readaptação. Preocupada com o aumento de problemas observados por pais e professores, a Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo reuniu especialistas e gestores na última quinta-feira (12/5) para debater as melhores formas de lidar com a situação, visando a construção e o aperfeiçoamento de políticas públicas. Entidades apresentaram estudos, programas e projetos considerados referência no setor e disponibilizaram materiais técnicos contendo premissas e metodologias adotadas. Requerente da audiência, Marcela Trópia (Novo) elogiou o alto nível das contribuições e a presença maciça da Prefeitura de BH, que demonstra a disposição de escutar, colaborar e se empenhar cada vez mais no enfrentamento conjunto deste desafio.
Marcela Trópia apontou que a opção pelo fechamento das escolas como medida de combate à disseminação do novo coronavírus causou ou agravou o adoecimento mental de crianças e adolescentes. Embora o problema não seja novo, os reflexos da pandemia geraram o “cenário catastrófico que assistimos hoje" nas escolas de ensino infantil, fundamental e médio, em que a ocorrência crescente de crises de estresse ou de ansiedade, irritabilidade, dificuldades de socialização, comportamentos agressivos e autodestrutivos, maior dependência dos pais para atividades básicas, regressões nas etapas de desenvolvimento e evasão escolar demandam um olhar mais atento do poder público e a construção de políticas públicas efetivas. A vereadora citou dados alarmantes apurados pela Fundação Ayrton Senna na rede estadual de São Paulo, que apontam que sete em cada dez estudantes estão com depressão; e ponderou que em Minas Gerais e Belo Horizonte, embora ainda não sejam conhecidos, os números não devem ser muito muito diferentes.
Para a diretora executiva da consultoria de inteligência educacional Vozes da Educação, Carolina Campos, “após um dos eventos mais traumáticos do século”, “não há volta, há recomeço”. No entanto, na opinião da educadora, muitas escolas estão agindo como se o aluno estivesse voltando de férias e é possível simplesmente continuar de onde parou. As dores e dificuldades vividas na pandemia – isolamento, luto, exposição à violência, desemprego e perda de renda dos pais, necessidade de assumir tarefas de adulto, entre outras - afetaram emocionalmente as crianças e adolescentes.
Iniciativas bem sucedidas
Carolina Campos apresentou os principais resultados do levantamento internacional “Boas práticas de Saúde Mental em Escolas: um olhar para oito países”, realizado pelo Vozes da Educação desde o início da pandemia. O relatório elenca iniciativas bem sucedidas ao redor do mundo, identificando 10 fatores de sucesso que as caracterizam, como intersetorialidade, combate ao estigma, formação e dedicação das equipes dentro e fora da escola, material estruturado, intervenção precoce, fluxos e processos claros, orçamento próprio e envolvimento da família e da comunidade. Dentre os programas e projetos nacionais e internacionais selecionados, foram incluídos o Programa V.I.D.A. (Valores, Inclusão, Desenvolvimento Humano e Afetividade), da Secretaria Municipal de Educação de Londrina, e o L.I.V - Laboratório de Inteligência e Vida, desenvolvido por uma entidade civl do Rio de Janeiro, representados na audiência por Carla Cordeiro e Joana London, que detalharam as metodologias, ferramentas e ações adotadas.
Instituído em 2019, o Programa V.I.D.A. cumpre as premissas e fatores de sucesso identificados no levantamento do Vozes da Educação. O Programa utiliza os Círculos de Diálogos para abordar e debater temas sensíveis que fazem parte do cotidiano dos alunos, como bullying, agressividade, preconceitos e outros, e as ações são oferecidas a cerca de 46 mil estudantes das 87 escolas municipais de ensino fundamental e 33 de educação infantil de Londrina (PR). Materiais e vídeos abordam os temas com olhar restaurativo e atividades que envolvem a família e a comunidade escolar visam a criar vínculos afetivos e relacionamentos saudáveis. Para despertar o interesse e incentivar a participação dos alunos, a equipe criou marionetes que representam personagens e situações com as quais eles se identificam, ajudando a quebrar os estigmas que cercam as dificuldades emocionais.
O LIV é um programa de educação socioemocional que ajuda estudantes a conhecerem e expressarem sentimentos e a desenvolverem habilidades para a vida, criando espaços seguros de fala e escuta para ampliar a compreensão de si, do outro e do mundo. Falar, escutar, incentivar o entre si, com os adultos, a família, aprender a lidar melhor com o estresse e a ansiedade, aceitar erros, fraquezas e ajuda são as premissas aplicadas às propostas pedagógicas e materiais específicos para cada etapa.
Acolhimento e diálogo
Carla Cordeiro e Joana London reiteraram que os reflexos da pandemia nas relações familiares, adaptação forçada a novas rotinas e práticas educacionais e ausência de interações pessoais dificultam o retorno à escola. Mudanças de turma, interrupção de amizades e namoros, perda de traquejo social, alterações no corpo como aumento de peso e mudança de voz geram insegurança e dificuldades de reintegração, que se manifestam na forma de ansiedade, agressividade, isolamento, e, em casos mais graves, automutilação e suicídio, cuja ocorrência aumentou de forma preocupante. Neste momento, em que pese a necessidade de recuperar conteúdos atrasados, é essencial que as escolas priorizem a situação emocional do aluno, que interfere diretamente no rendimento escolar. O ensino e a aprendizagem são sim importantes, mas não devem ser colocados à frente. A psicóloga Carolina Dantas recomendou atenção à saúde mental dos professores, muitos deles também adoecidos, e o envolvimento dos pais, por meio de atividades que promovam aproximação e interação.
As boas práticas, baseadas nos princípios da justiça restaurativa, não se apoiam em estigmatização e punição, e têm como foco a criação de espaços seguros de escuta e diálogo onde os jovens possam falar, desbafar e trocar experiências, aprendendo a reconhecer e compartilhar emoções e sentimentos, em vez de se isolar ou se envergonhar deles. Segundo as educadoras, a escola deve olhar para o aluno, escutá-lo, perceber os sinais, porém não cabe a ela diagnosticar ou tratar. A promoção da saúde mental através do diálogo e de atividades que os estimulem a expressar e lidar com suas angústias pode não ser suficiente quando a criança ou adolescente se mostra incapaz de gerenciar seus problemas e desafios, demonstrando sofrimento mental grave e comportamentos violentos ou autodestrutivos que põem em risco sua própria segurança e a de terceiros, que exigem o encaminhamento aos serviços de saúde mental.
Apoio multidisciplinar
Outro ponto destacado pelas especialistas é o estabelecimento de uma rede de apoio intersetorial para suporte das ações de prevenção, promoção e cuidado da saúde mental que extrapolem as competências da escola. Além da disponibilização de serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica, previstos na Lei Federal 13.935/19, para acompanhamento e orientação de alunos e professores, é necessário o estabelecimento de um fluxo claro e definido para encaminhamento de situações mais graves. Essa articulação com setores de saúde, saúde mental, assistência social e segurança pública estão entre as estratégias adotadas pelo governo de Minas Gerais e a Prefeitura de Belo Horizonte sobre essa questão. Gestores estaduais e municipais expuseram as medidas e ações aplicadas dentro e fora das escolas, reforçadas durante e depois dos impactos da pandemia.
Rosália Diniz, da Secretaria de Estado da Educação, apresentou aos presentes a Cartilha Saúde Mental e Atenção Psicossocial Frente à Pandemia do Coronavírus no Âmbito Escolar, contendo orientações para o cuidado com a saúde física, mental e emocional, e relatou ações como a produção de vídeos e webaulas sobre adolescências, em parceria com a Faculdade de Medicina da UFMG; contratação de psicólogos e assistentes sociais por determinação da Lei 13.935; articulação com as Secretarias de Saúde e de Segurança e Conselho Tutelar. Em 2020 e 2021, durante o ensino remoto, foi disponibilizado o site Estude em Casa, reunindo informações e materiais de apoio para professores, alunos e pais. Em 2022, a pasta manteve abertos os canais de comunicação para evitar a quebra abrupta dessa interação e produziu um Guia prático de acolhimento para orientar a recepção dos estudantes.
Marília de Dirceu Sales, diretora de políticas intersetoriais da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (Smed), enfatizou a articulação com as Secretarias Municipais de Saúde (SMSA), de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania (Smasac) e de Segurança e Prevenção no projeto de melhoria do “clima” escolar, da qualidade das relações e da segurança dos alunos por meio do Programa Nós, em cooperação técnica com a SEE, Ministério Público, Tribunal de Justiça e Faculdade de Direito da UFMG, que institui práticas da justiça restaurativa como núcleos de solução de conflitos, círculos de construção de paz e comunicação não violenta. Em 2020 e 2021, foram realizados mapeamentos socioeducacionais de cada escola para orientar ações, encontros com professores, dinâmicas como o projeto “Fique bem, professor” e o curso de aprendizagem emocional e ética “Corações e Mentes”, em parceria com ongs.
O Programa Saúde na Escola, coordenado pela Smed e a SMSA, realiza ações de prevenção e promoção articuladas com a Smasac, as Secretarias de Cultura e de Esporte e Lazer, abrangendo os diversos aspectos da saúde integral das crianças e adolescentes. Em parceria com a UFMG, o programa oferece cursos e palestras para coordenadores pedagógicos e professores, incluindo prevenção do suicídio e automutilação, e promove ações de prevenção ao uso de álcool e drogas, direito sexual reprodutivo e prevenção de DSTs. As urgências são encaminhadas aos Centros de Referência em Saúde Mental e acompanhados de perto. As estratégias e conexões do programa foram detalhados por Fernando Libânio, coautor do Protocolo de Atenção Integral à Saùde do Adolescente da SMSA e Adriano Gonçalves, da Gerência de Saúde Mental da pasta.
Força-tarefa
Marcela Trópia e os convidados se declararam satisfeitos com a audiência pública, que cumpriu o objetivo de criar um espaço para especialistas, pesquisadores e gestores unidos pelo mesmo objetivo se conhecerem e trocarem informações e experiências sobre um tema “pesado”, mas urgente, sobre o qual tem recebido muitas mensagens e demandas. A intenção é formar uma força-tarefa para levantar os dados do Município e trabalhar juntos na construção e aperfeiçoamento de políticas públicas efetivas para prevenir e reduzir o adoecimento mental nas escolas de BH.
Superintendência de Comunicação Institucional