Tarifa Zero e Instituto Urbe questionam contrato, tarifas e falta de subsídios
Serão realizadas novas audiências para discutir o tema e solicitada à PBH a implantação de um plano de faixas exclusivas
Foto: Bernardo Dias / CMBH
Tendo em vista o cenário em que se encontra o transporte coletivo em Belo Horizonte, com recorrentes reclamações de usuários relativas ao preço das passagens, frota e integração metropolitana, a Comissão Especial de Estudo - Reformulação da BHTrans realizou, nesta quarta-feira (10/3), audiência pública para discutir medidas emergenciais para a reestruturação da empresa. A reunião, solicitada pela vereadora Iza Lourença (Psol), contou com a participação do Movimento Tarifa Zero e do Instituto Urbe, da Escola de Arquitetura da UFMG. Ao final do encontro, deliberou-se pelo encaminhamento de solicitações de informações à Prefeitura sobre plano de faixas exclusivas para ônibus, plano de subsídios e contrato atual com as empresas de ônibus. Novas audiências públicas devem ser realizadas pela comissão com a presença de especialistas, sindicalistas e ativistas.
André Veloso, do Movimento Tarifa Zero, falou sobre subsídio público, subsídio cruzado e controle de custos. Quanto ao subsídio público, reportando-se ao sistema de ônibus no Brasil, destacou que a receita tarifária da maioria das empresas é de mais de 95%, lembrando que o sistema de ônibus se paga pela própria tarifa (receita dividida pelo custo), mas que quem paga por isso são os usuários. Ele ressaltou que, além da insatisfação quanto à demora dos ônibus, os usuários saem do sistema por falta de condições de pagar a passagem, esclarecendo que a redução de tributos eleva o custo para o passageiro. Veloso argumentou que os usuários acabam optando por utilizar veículos ou motocicletas para a sua locomoção, ampliando o número de engarrafamentos na cidade.
O ativista relatou que antes o valor da tarifa de cada linha baseava-se no custo do serviço dividido pela receita, mas que hoje linhas de alta circulação, com início nos bairros e seguindo até o Centro, sempre cheias, são as mais caras. Já linhas periféricas, com trajeto mais curto e de menor demanda, são mais baratas. Assim, ele defendeu a Câmara de Compensação Tarifária, que unifica tarifas.
O representante do Tarifa Zero destacou também que, com a pandemia, o transporte coletivo entrou em colapso, atingindo empresários, setor público e sociedade civil organizada. Diante disso, considerou fundamental que sejam propostas políticas públicas, como a revisão de taxas e impostos, para o financiamento do transporte por meio de subsídio, propondo, para tanto, um pacto federativo entre município, estado e União. Ele informou sobre fonte de subsídio prevista no Plano Diretor para melhoria do transporte coletivo, alertando, todavia, que faltam recursos para o setor.
Controle da arrecadação tarifária
Para Veloso, são necessárias diretrizes para um controle central da arrecadação tarifária e a alteração, por parte dos empresários, de variáveis do serviço, visando não somente o lucro, que coloca grande número de pessoas no transporte coletivo a baixo custo. Atentou, ainda, para os prejuízos causados pela ausência do cobrador e pela falta fiscalização e aplicação de multas, agravados pela morosidade da Justiça em relação ao não cumprimento das penalidades. Indagando se o transporte é prerrogativa do serviço público ou das empresas de ônibus, o ativista disse que a BHTrans precisa ter um controle prévio sobre a arrecadação tarifária.
Defendendo que o Conselho Municipal de Urbanização seja reativado, para que se tenha acesso a operações e à prestação de serviços, o representante do Tarifa Zero destacou a necessidade de se reavaliar a arrecadação e distribuição do vale-transporte, arrecadação de tributos e remuneração de empresas de ônibus. Por fim, Veloso informou que o custo de cobrança de tarifas corresponde a 20% no sistema e que 83% dos usuários discordam da cobrança, pois não têm dinheiro para pagar o ônibus sequer para voltar para casa, salientando que o valor gasto por dia por deslocamento pela população na cidade é de R$ 2,5 milhões. Ele defendeu transporte gratuito em Belo Horizonte, com a realização de uma campanha permanente de conscientização.
Calamidade na mobilidade urbana
Segundo o representante do Instituto Urbe, da Escola de Arquitetura da UFMG, Roberto Rolim Andres, vivemos atualmente uma situação de calamidade pública na área de mobilidade urbana, que afeta principalmente a população mais pobre, no que diz respeito à forma como nos deslocamos na cidade, beneficiando pessoas e empresas. Para o especialista, o espaço urbano é um bem comum e escasso, necessitando de uma solução para a vida coletiva. Considerando que se cada um buscasse soluções individuais haveria um impacto coletivo positivo, utilizou como exemplo a opção do automóvel como meio de transporte, que parece oferecer maior conforto e velocidade, mas que pode causar, em contrapartida, prejuízos a grande parte da população. Rolim argumentou que uma pessoa com 60 kg a 80 kg, em média, gasta uma energia descabida para deslocamento, a um alto custo, relativo a extração de petróleo e produção de gás carbônico e enxofre; e que, por isso, é preciso regular a forma como nos deslocamos.
Ainda de acordo com a demanda por deslocamentos, Andres avaliou que os aplicativos de transporte não deveriam captar os usuários do transporte coletivo, nem tampouco atender a grandes empresas, mas aos moradores da capital. Segundo ele, isso proporcionaria às pessoas um acesso democrático aos espaços da cidade, com a oferta de um bom sistema de transporte, visando não somente o lucro. Para o especialista, os aplicativos de transporte aumentam congestionamentos, acidentes e a poluição e acabam por incidir impostos sobre o custo social, que poderiam ser revertidos em benefícios para o cidadão.
Rolim afirmou que se fosse subsidiada parte significativa do valor pelo poder público ampliaria-se a circulação do serviço aos mais pobres e a oferta, retirando automóveis e motocicletas das ruas, reduzindo, assim, a espera e contribuindo para a melhoria do trânsito. Para o acadêmico, o contrato firmado em 2008 precisa ser urgentemente revisto, pois inverte a lógica da gestão pública, entregando-a às empresas e incentivando o pagamento de bônus pela contratação (quanto maior a lotação do transporte coletivo, maior a arrecadação das empresas). O especialista reforçou que é necessário rever e retomar o contrato de acordo com o interesse público, com licitação de dois a quatro anos, destacando que tecnologias podem ser bem vindas ao processo, verificando-se trajetórias e pontos em prol do interesse coletivo e não de empresas. Segundo Rolim, o contrato atual afronta a Lei Municipal de Mobilidade Urbana e a gestão pública do sistema, pois não oferece uma tarifa módica, nem subsídio público, que para ele podem ser viabilizados por meio de fundos públicos, pelo IPTU, taxa de combustível ou de automóveis.
Encaminhamentos
Conforme anunciados pelo vereador Gabriel (Patri), que presidiu a audiência, foram acordados vários encaminhamentos, como solicitação à Prefeitura de Belo Horizonte de um plano de implantação de faixas exclusivas para o transporte coletivo na cidade, com o objetivo de corrigir a injustiça espacial (ex: dois automóveis com três pessoas em uma via ocupam, em média, o espaço de um ônibus, que transporta cerca de 50 pessoas). Também será solicitada a centralização da arrecadação tarifária, viabilizando-se a distribuição de recursos e estabelecendo planos futuros de tributação para ônibus.
Apontou-se, também, como medida prioritária, a melhoria da frota e do sistema coletivo, bem como a redução da tarifa. Será verificado, junto ao Executivo, o atual contrato da BHTrans, segundo as Leis Municipal e Nacional de Mobilidade Urbana, avaliando-se se o mesmo fere os princípios da política pública no que se refere à tarifa módica, buscando, inclusive, referências internacionais, estabelecendo-se um comparativo entre o valor atual da tarifa e o salário médio municipal. Será requisitada ao Executivo a revisão de regulamentação do art. 325 do Plano Diretor, cobrando-se quando e como será regulamentando o Plano de Subsídios em BH.
A Comissão encaminhará, ainda, ofício ao Conselho Municipal de Mobilidade Urbana, cobrando a sua instalação, propondo-se, por fim, à PBH, a melhoria da frota.
Deliberou-se pela realização de audiências públicas convidando o gerente de Políticas Públicas do Instituto de Política de Transporte e Desenvolvimento; o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros (Setra), Joel Jorge Pasqualini; e Antônio Ling, do blog Caos Planejado. As reuniões também discutirão o cicloativismo e o ciclismo em integração com o transporte coletivo e a estação de integração; e a situação da mobilidade urbana em BH com baseados em modelos brasileiros e mundiais.
Participaram da audiência os vereadores Gabriel (Patri), Reinaldo Gomes Preto Sacolão (MDB) e Wesley (Pros), e as vereadoras Iza Lourença, Marcela Trópia (Novo) e Bella Gonçalves (Psol).
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional