Proibição do tratamento de questões de gênero em escolas segue para o Plenário
Parlamentares contrários apontam incontitucionalidade na medida e não descartam judicializar a questão
Foto: Abraão Bruck/Câmara de BH
O parecer favorável do relator à Proposta de Emenda à Lei Orgânica (Pelo) 3/17 e a emenda substitutiva apresentada para corrigir vício de constitucionalidade foram aprovados nesta terça-feira (13/3), em reunião extraordinária da comissão especial composta para apreciar a matéria, que proíbe o tratamento de questões de gênero e diversidade nas escolas de ensino infantil e fundamental. Com presença de seis dos sete integrantes, o empate entre os três votos a favor e três contrários foi decidido por critério regimental, prevalecendo o posicionamento do relator. Além de interpor recurso contra a admissibilidade da emenda, que será remetido à apreciação do presidente da Câmara, vereadores contrários à proposta anunciaram que irão “lutar até o fim” por sua derrubada, se necessário por meio da judicialização da questão.
Assinada por Jair Di Gregório (PP) e outros 13 vereadores, a Pelo 3/17 “acrescenta parágrafo único ao artigo 158 da Lei Orgânica dispondo que “não será objeto de deliberação qualquer proposição legislativa que tenha por objeto a regulamentação de política de ensino, currículo escolar, disciplinas obrigatórias ou mesmo de forma complementar ou facultativa que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo gênero ou orientação sexual." Em sua justificativa, os autores alegam “as inúmeras tentativas de inserção dessas ideologias na rede de ensino, ferindo o direito dos pais, previsto na Constituição Federal, de educar e transmitir valores aos filhos menores”. Em seu entendimento, a formação, a percepção e a orientação sexual, que envolveriam questões de ordem moral, extrapolam os aspectos biológicos da sexualidade a serem abordados nas escolas, devendo permanecer a cargo da família e ser discutidas no âmbito do lar.
Nas duas últimas reuniões da comissão especial, o parecer do relator Fernando Borja (Avante) deixou de ser apreciado, em virtude de solicitações de adiamento e da interposição de recurso pela vereadora Cida Falabella (Psol) contra o recebimento da emenda apresentada junto ao relatório, que a seu ver contrariaria disposições regimentais. Ao lado do colega Arnaldo Godoy (PT), a vereadora declarou seu repúdio ao conteúdo da proposta, que configuraria um ataque aos direitos humanos e aos esforços de combate à violência contra mulheres e ao abuso infantil, muitas vezes observado no interior das próprias famílias.
Os dois parlamentares, que esvaziaram o quórum da reunião ordinária convocada para as 14h, protestaram contra a realização da extraordinária ad referendum (que dispensa a antecedência necessária à convocação). Os demais integrantes, por sua vez, criticaram o que classificaram como “manobras protelatórias” dos opositores da proposta.
Argumentação do parecer e emenda substitutiva
Com os votos favoráveis de Fernando Borja, Fernando Luiz (PSB) e Irlan Melo (PR), e contrários de Cida, Godoy e do presidente da comissão especial, Mateus Simões (Novo), que identificou problemas formais no texto da matéria, o empate foi decidido com base em artigo do Regimento Interno que determina a prevalência do posicionamento do relator nesses casos, acarretando na aprovação. Em seu parecer, o relator alega a retirada expressa das questões de gênero e diversidade sexual do texto do Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/14), cujas diretrizes devem ser adotadas em âmbito municipal, “estando claro que a inserção de tais temas no ensino infantil e fundamental não pode ser por ora autorizado, sob pena de se contrariar a legislação federal”. Ponderando a polêmica gerada pela questão, o relatório afirma ainda que “convicções pessoais de cunho ideológico ou pessoal não podem servir de norte para a formação de uma política pública de ensino”.
Em defesa da proposta, Irlan Melo destacou que a proibição da abordagem dos referidos temas nas escolas de educção infantil e fundamental atende à vontade da ampla maioria da sociedade e que as manobras dos opositores buscam apenas obstruir o processo legislativo; e que os aspectos jurídicos da matéria devem ser tratadas no âmbito do Judiciário, preservando a separação dos poderes. Fernando Luiz, por sua vez, apresrentou notas da Associação Americana de Pediatria, da Associação Brasileira de Psiquiatria e do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) sobre os efeitos nocivos da abordadgem precoce das questões de gênero sobre a saúde mental de crianças e adolescentes.
Alegação de inconstitucionalidade
No intuito de corrigir a inconstitucionalidade apontada nos termos da proposta, constatadas pelo presidente e pelo próprio relator da comissão especial, o Substitutivo nº 1 apresentado junto ao parecer altera a redação do parágrafo 1º do Artigo 158 da Lei Orgânica, inserido pela Pelo, que proibia a deliberação de proposições pelo Legislativo “em flagrante desrespeito a suas atribuições e prerrogativas”, determinando, em seu lugar, que “não serão inseridos na grade curricular dos ensinos infantil e fundamental, nem adotados como política municipal de ensino ou objeto de discussão em sala de aula, sob qualquer forma ou pretexto, temas que não estejam expressa e literalmente inseridos no rol de diretrizes estabelecidos pelo Plano Nacional de Educação”.
A emenda acrescenta ainda o parágrafo 2º, dispondo que “enquanto não inseridos no rol de diretrizes do Plano Nacional de Educação, não poderá ser adotada na rede municipal de ensino infantil ou fundamental medida de qualquer natureza envolvendo a discussão de gênero, orientação ou diversidade sexual”.
Reforçados pela Manifestação do Ministério Público Estadual, que se posicionou pela inconstitucionalidade da proposta em audiência pública sobre o tema, Cida Falabella, Godoy e os vereadores Gilson Reis (PCdoB) e Pedro Patrus (PT), afirmaram que o texto do substitutivo permaneceria inconstitucional ao invadir a competência do Executivo na determinação das diretrizes curriculares do sistema municipal de educação nas partes não cobertas pela legislação federal, que concede poder de decisão aos conselhos municipais de Educação sobre a chamada “parte diversificada” do currículo escolar (Artigo 26 da Lei nº 12.796/13).
Interposição de recurso e “declaração de guerra”
Como último recurso, Falabella apresentou um novo recurso questionando a admissibilidade do Substitutivo nº 1, que descumpriria regras e critérios técnicos dispostos nos artigos 66, 99 e 128 do Regimento Interno. Declarando sua incompetência para julgar o recurso devido à conclusão dos trabalhos da comissão especial, Mateus Simões anunciou que irá remetê-lo à apreciação do presidente da Casa. Os defensores da proposta, reforçados por um de seus autores, Jair Di Gregório (PP), garantiram possuir a maioria dos votos necessária à aprovação e afirmaram que o tratamento desses temas no âmbito das escolas infantis e de ensino fundamental são rejeitados por mais de 90% da população. Irlan Melo salientou que as questões jurídicas poderão ser abordadas posteriormente pelos órgãos pertinentes, não impedido o debate e a aprovação da matéria, em dois turnos, no Plenário da Câmara.
Os opositores da Pelo 3/17 declararam-se em “guerra” contra sua aprovação e entrada em vigor e prometeram lançar mão de todos os instrumentos disponíveis, dentro e fora da Câmara Municipal, já que, em seu entendimento, ela representa “um ataque ao sistema de educação inclusiva, diversa e democrática” e reflete uma disputa político-ideológica em curso no país, na qual setores “conservadores e fundamentalistas” se articulam de modo a promover “o preconceito e a restrição dos direitos de grupos historicamente marginalizados na sociedade brasileira”.
Superintendência de Comunicação Institucional
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