JUVENTUDE NEGRA

Pesquisadoras cobram políticas intersetoriais para combater mortandade

Índice de homicídios de jovens negros é quatro vezes maior que de jovens brancos no Brasil

terça-feira, 29 Agosto, 2017 - 17:00
Parlamentares e convidados compõem mesa de reunião

Foto: Divulgação/ Gabinete Arnaldo Godoy

No Brasil, cerca de 80% das mortes de adolescentes são provocadas por homicídios. Não por coincidência, a absoluta maioria desses jovens é negra, moradora de regiões periféricas da cidade, com baixa escolaridade, idades entre 15 e 19 anos, assassinada por armas de fogo em vias públicas. O perfil foi revelado por pesquisas apresentadas pela médica Rejane Ferreira dos Reis (UFMG), em audiência pública da Comissão Especial de Estudo - Homicídios de Jovens Negros e Pobres, realizada na tarde da última segunda-feira (29/8) no Centro de Referência da Juventude (Praça da Estação, região central da cidade).

“Vivemos o mito da democracia racial. Uma ficção ideológica que mantém intactas as relações de poder e o corpo negro escravizado”, alertou a médica pesquisadora Rejane Ferreira dos Reis (UFMG), destacando a necessidade de se reconhecer o racismo como elemento determinante para os altos índices de mortalidade entre os adolescentes negros e a urgência de planejamento intersetorial de políticas públicas.

Audiência Pública sobre Genocídio da Juventude Negra. Pesquisadora Rejane Ferreira dos Reis (UFMG).Os dados apresentados pela pesquisadora mostram que as mortes não são ocasionais, têm idade, têm cor e endereço. Estão nas áreas de pouca oferta de bens e serviços, onde os jovens não têm estrutura para estudar, nem facilidade de acesso à saúde ou mesmo oportunidades de emprego. Ainda, locais onde o assédio da criminalidade é grande e a violência policial também. “Os nossos jovens são mortos diariamente, e não vivemos esses lutos”, denunciou a pesquisadora, lembrando o esforço que a grande mídia faz para culpabilizar essas vítimas, sempre nomeadas e estigmatizadas nas capas dos jornais: “assaltante, traficante, delinquente, marginal...”.

Presidente da comissão, o vereador Arnaldo Godoy (PT) alertou para o perigo da chamada “guerra às drogas” que, “além de ineficaz, mostrou que é a causadora de grande parte das mortes de jovens negros no país. É uma política que tem um inimigo definido: negro e pobre”, afirmou o parlamentar, destacando que não tem sido feito um enfrentamento real ao mercado da droga, uma vez que os alvos são os meninos que vendem no varejo, que não são as organizações criminosas estruturais.

“A gente pode ser benquisto limpando o chão dos bares ou atrás do balcão das lojas, mas não nas universidades, não na Medicina ou na Engenharia”, denunciou o jovem Felipe Saboia, membro do conselho gestor do Centro de Referência da Juventude, alertando para um racismo institucional, que inibe a presença do jovem negro em diversos espaços de formação e atuação. “É preciso pensar toda a estrutura. De que adianta ir para a escola, se o jovem chega em casa e não tem uma mesa para estudar ou uma cama para dormir? De que adianta termos esse espaço aqui (CRF) e o jovem não conseguir vir?”, questionou Saboia, lembrando que a passagem de ônibus custa R$ 4,05, sendo R$ 8,10, no mínimo, para ir e voltar, quando um saco de feijão custa cerca de R$ 6,00. “Compra comida ou paga passagem?”, provocou o jovem, reafirmando que o enfrentamento deve ser intersetorial.

Instrumentos e indicadores para políticas públicas

Coordenadora do Observatório da Juventude/UFMG, Juliana Reis destacou a importância dos levantamentos de dados locais para a elaboração de políticas públicas mais adequadas e direcionadas. “Os territórios em Belo Horizonte são visivelmente marcados por diferentes realidades oferecidas aos jovens”, alertou a pesquisadora, apresentando dados que mostram o índice de vulnerabilidade de 7,8 em bairros na Região Centro-sul, como Cidade Jardim, Luxemburgo e São Pedro, enquanto a vulnerabilidade aumenta drasticamente, chegando a 72,8 em bairros periféricos da Regional Leste, como Alto Vera Cruz, Taquaril e Granja de Freitas.

Representantes da Gerência de Apoio ao Planejamento do Desenvolvimento Social anunciaram que está disponível no portal da PBH, no âmbito do Programa Monitora BH, os dados completos do Índice de Vulnerabilidade Juvenil de Belo Horizonte (IVJ-BH), desenvolvido por equipe técnica da PBH, com apoio do CRISP-UFMG. Composto por sete indicadores de vulnerabilidade juvenil, o índice varia entre 0 e 100 e permite identificar os territórios da cidade nos quais os jovens estão em situação de maior vulnerabilidade, permitindo o recorte por raça, cor e gênero.

Audiência Pública sobre Genocídio da Juventude Negra. Felipe Saboia, membro do conselho gestor do Centro de Referência da Juventude“Morrer em via pública é o cúmulo da desigualdade, é o cúmulo da exclusão”, denunciou a pesquisadora Maria Angélica de Salles, integrante do Observatório de Saúde Urbana da Faculdade de Medicina da UFMG, junto à professora Waleska Caiafa. Salles apresentou estudo sobre os impactos das intervenções urbanísticas e sociais realizadas pelo Programa Vila Viva nas taxas de homicídios dos jovens negros. “A oferta de bens e serviços é muito desigual na cidade e é um fator essencial para a segurança dos jovens”, alertou a pesquisadora, mostrando dados que revelam uma taxa de homicídio sete vezes maior na Pedreira Prado Lopes que na chamada cidade formal, por exemplo.

Gerente de Assistência à Saúde da Secretaria Municipal de Saúde, Taciana Malheiros apresentou os resultados de seminário realizado em maio deste ano, em que os jovens e os trabalhadores da rede apresentaram suas principais demandas em relação ao serviço público de saúde. Preconceito, invisibilidade, rigidez de protocolo e dificuldade de acesso às unidades de saúde foram destacados pela gestora como problemas centrais. Ainda, foi solicitada pelos jovens uma parceria com as escolas para que os temas da sexualidade e de gênero sejam debatidos de forma mais ampla, não apenas focado em gravidez e DSTs.

“Mas os desafios não são apenas esses, é preciso pensar ainda como atrair os jovens para as políticas de saúde. Ouvir mais os jovens e construir junto com eles”, afirmou a gestora, garantindo que pretende atuar numa perspectiva intersetorial, fomentando atividades de lazer, cultura, esporte e educação. Malheiros lembrou ainda que estão sendo mapeadas as diversas ações comunitárias desenvolvidas pelos mais de 150 centros de saúde da capital, como forma de estudar e potencializar as práticas como possíveis políticas para todo o município.

“Não é possível avançar nesse quadro de mortandade sem essa cooperação intersetorial”, reafirmou a vereadora Áurea Carolina (Psol), explicando que o objetivo da comissão é criar essas circunstâncias de aproximação. A parlamentar explicou que esta foi a última audiência, de uma série anterior, promovida pelo colegiado, antes dos seminários de Segurança Pública Cidadã, em setembro, e de Políticas Públicas de Juventude, em outubro, a serem realizados na Câmara Municipal de Belo Horizonte. Todas as atividades vão subsidiar um relatório da comissão a ser enviado à prefeitura com recomendações de políticas públicas para a juventude.

Superintendência de Comunicação Institucional

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