ALIENAÇÃO

Mães denunciam recolhimento compulsório de bebês pela Justiça

Afastadas de seus filhos, mulheres com trajetória de rua e uso de drogas cobram o direito de conviver com as crianças

sexta-feira, 17 Março, 2017 - 17:30

Foto: Bernardo Dias/CMBH

Filhos de mulheres usuárias de drogas estariam sendo retirados das famílias e encaminhados, ainda nas maternidades, para acolhimento institucional. A denúncia foi apresentada por diversas mães e pela Defensoria dos Direitos Humanos em audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor, na noite de quinta-feira (16/3). Os vereadores vão enviar pedido de informações à Justiça cobrando dados quantitativos e detalhes sobre as crianças retiradas de suas mães.

“Assim que nós (mães) recebemos alta da maternidade (após o parto), fomos orientadas por uma funcionária da Santa Casa e fomos de ambulância até a sede do Ministério Público. Fui informada de que o juiz me faria apenas algumas perguntas. Porém, quando cheguei lá, um homem me falou ‘moça, se você não entregar seu filho, nós vamos machucá-lo, porque a gente vai tirá-lo de você de qualquer jeito’”, contou Aline Paula Oliveira, artista plástica e estudante de direito, que teve seu filho recolhido pela Justiça há seis anos.

Aline afirmou que o seu processo, como muitos outros, foi feito de forma arbitrária, uma vez que ela fazia uso moderado da droga e que a criança estava bem e saudável. A mãe garantiu que fez o tratamento completo de reabilitação e recebeu liberação médica. Ainda assim, não consegue autorização para estar com seu filho. “Desde o momento da retirada eu tenho lutado por ele. A luta é para conviver. Não vou tirá-lo da sua nova família, mas quero que seja garantido o direito dele saber que não foi abandonado pela mãe, que não foi rejeitado. Que ele saiba que ele tem uma irmã linda, que ele possa conhecê-la”, desabafou.

Direitos das mães

Coautores do requerimento para a audiência, Pedro Patrus (PT) e Áurea Carolina (Psol) explicaram que duas recomendações do Ministério Público (nº5 e nº6 de 2014) e uma portaria da Vara Cível da Infância e da Juventude da comarca de Belo Horizonte têm determinado o encaminhamento imediato dos bebês de mães usuárias de drogas ou em trajetória de rua, identificados ainda nas maternidades, para acolhimento institucional ou entrega à família extensa. A medida, no entanto, não exige a constatação de situações de violência ou de abandono material pela mãe, configurando, na perspectiva dos parlamentares, uma “afronta ao Estatuto da Criança e do Adolescente que, no art. 19, §30, estabelece a priorização absoluta da reintegração das crianças e adolescentes à família”. Para Áurea Carolina, “trata-se de cruel e arbitrária destituição do poder familiar de mulheres pobres”.

“Há muitas dúvidas sobre como isso (acolhimento compulsório) é formalizado. Se de fato deve acontecer dessa maneira. A gente precisa conversar amplamente para entender e reverter possíveis quadros de violação de direitos humanos”, concluiu a vereadora.

Defensora pública dos Direitos Humanos, Junia Roman Carvalho atestou que “as mães têm tido seus bebês tomados nas maternidades, de forma, que nós entendemos, absurdamente violenta”. A defensora entende que as decisões são tomadas por “julgamentos que são muito preconceituosos, porque são mães em situação de rua ou usuárias de drogas. Às vezes foram usuárias de alguma droga, mas já nem importa se são dependentes ou não”, denunciou.

Saúde e bem-estar da criança

A promotora de Justiça da Criança e do Adolescente, Matilde Patente, defendeu a importância das recomendações do Ministério Público para a segurança e bem-estar das crianças. “Nós não tiramos bebês de mães e famílias extensas quando essas pessoas querem e podem ficar com as crianças. Essa realidade que vocês estão traçando não é a da comarca de Belo Horizonte”, afirmou a promotora, destacando que a lei que garante os direitos da família extensa ao bebê foi criada por iniciativa do próprio MP.

“Quando as mães querem tratamento para se reabilitar e ficar com seus filhos, nós lutamos por isso”, garantiu Patente, alertando, porém, para a necessidade de observar a realidade de muitos casos. “Uma pessoa que faz uso de drogas provoca várias sequelas no bebê. Nós defendemos que a criança fique com a mãe. Mas a prioridade é a criança”, completou.

Representando a Secretaria Municipal de Saúde, a gerente de Atenção à Saúde, Taciana Carvalho, alertou para a importância de se pensar os direitos e o bem-estar da criança e da mãe de forma conjunta, explicando que as unidades municipais de saúde acompanham de maneira especial a trajetória das mães com dependência química. “É importante conhecer a gestante, a sua história individual, envolver a rede de saúde e a família, para a gente garantir o vínculo da mãe e do bebê”, afirmou.

Encaminhamentos

Diante do debate realizado, a comissão deliberou pela criação de uma câmara técnica, um grupo de trabalho que reuniria representantes dos órgãos envolvidos e da sociedade civil para que se discuta a retirada desses bebês de suas mães. Ainda, será enviado pedido de informações à Justiça cobrando os números reais relacionados ao tema. “Quantos bebês foram retirados de suas mães em BH? É preciso conhecer os dados para analisar cada situação e avaliar se essa medida era realmente necessária”, alertou o vereador Pedro Patrus.

Superintendência de Comunicação Institucional

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