INVESTIGAÇÃO

Pessoas com trajetória de rua podem se capacitar e têm vagas em ações de moradia

Gestores municipais ouvidos pela CPI explicam como funciona o acesso aos programas de moradia e de inclusão produtiva

sexta-feira, 10 Novembro, 2023 - 11:45

Foto: Cláudio Rabelo/CMBH

Dois dos principais desafios ao enfrentar o problema das pessoas em situação de rua na cidade – trabalho e moradia - foram temas de questionamentos apresentados à Prefeitura de BH na manhã desta sexta-feira (10/11) na Câmara Municipal. Convocados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) - População em situação de rua, o subsecretário de Trabalho e Emprego da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Luiz Otávio Fonseca, e o diretor-presidente da Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel), Claudius Vinícius Leite, foram ouvidos no inquérito que apura o aumento do número de homens e mulheres vivendo nas ruas e supostas irregularidades no funcionamento dos abrigos municipais. Em seu depoimento, Fonseca detalhou o funciuonamento do Programa Estamos Juntos, que oferece capacitação técnica e socioemocional para preparar as pessoas com trajetória de rua para o mundo do trabalho. A iniciativa, que recebeu aporte de emendas parlamentares, já formou três turmas e pretende colocar mil beneficiários em postos que tenham vínculos trabalhistas. Leite, por sua vez, esclareceu pontos da política municipal de habitação e assegurou que não faltam vagas para o segmento nos programas Bolsa Moradia e Aluguel Social.

Segundo Luiz Otávio Fonseca, o Programa Estamos Juntos foi criado pela Prefeitura em 2019 para fomentar e garantir a inclusão produtiva da população com trajetória de vida nas ruas, e em meados de 2020, quando a pandemia chegou à cidade, as reuniões com empresas interessadas em aderir à iniciativa continuaram a ser realizadas. Segundo o subsecretário, o Programa que mobilizou recursos da ordem de R$ 6 milhões em 2023 já formou três turmas e já garantiu a colocação de 34 pessoas, sendo 17 na Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica e outras 17 na Superintendência de Limpeza Urbana (SLU), que foram absorvidas e hoje desenvolvem atividades nesses órgãos. A meta inicial da ação é formar mil pessoas num prazo de 18 meses.

O gestor explicou que o Programa é realizado em parceria com a entidade de assistência social Rede Cidadã, selecionada por meio de chamamento público. A metodologia inclui formação técnica e socioemocional, oferta de uma bolsa de R$ 540 e a absorção dos beneficiários em secretarias e órgãos do munípicio. A expectativa, de acordo com Fonseca, é que após um período de organização e preparo para a rotina de trabalho, o beneficiário possa ser direcionado ao mercado de trabalho, onde, aí sim, será estabelecido o vínculo empregatício. “Ele ingressa num banco de talentos e busca-se a vaga. Após a contratação formal, ele ainda é acompanhado por quatro meses e priorizado nas políticas de moradia do Município. A PBH funciona como um estágio, e depois vamos encaminhá-lo ao mercado de trabalho”, completou.

Perguntado pelo presidente da CPI, Braulio Lara (Novo), sobre o por quê do próprio Município não realizar a contratação, que poderia ser nas funções de capina e varrição, por exemplo, o subsecretário de Trabalho e Emprego explicou que esses serviços são prestados por empresas tercerizadas, e que são elas que fazem as contratações. “De toda forma, irei levar a sugestão. Acredito que a proposta é viável, sim, mas esta é uma questão (da secretaria ) do Orçamento”, avaliou.

Adesão é o "gargalo"

A questão do orçamento foi o ponto levantado por Marcela Trópia (Novo), também integrante da CPI. A parlamentar, que - além de Braulio Lara, Bruno Miranda (PDT) e Jorge Santos (Republicanos) - destinou recursos ao Estamos Juntos por meio de emendas impositivas, perguntou qual é o desafio do programa. “Temos nove mil pessoas em situação de rua e estamos atendendo mil em cada ciclo de 18 meses. É preciso mais celeridade, pois pode ser que, a cada mês, outros mil cheguem às ruas. Então qual será o gargalo? Dinheiro? Tempo? Porque a questão é urgente”, alertou.

A resposta coube ao procurador Fernando Couto, que acompanhava Fonseca, e ressaltou que é preciso lembrar que as pessoas com trajetória de rua estão sendo convidadas a aderir o programa, mas muitas não aceitam. “Acredito que o 'gargalo' talvez seja mesmo o envolvimento das pessoas que estão sendo convidadas a participar”, concordou o subsevretário.

Programas de moradia

Ouvido na segunda oitiva da manhã, o diretor-presidente da Urbel assegurou que não faltam vagas para atender a população em situação de rua nos programas de moradia desenvolvidos pela Prefeitura (Bolsa Moradia e Aluguel Social) com objetivo de abrigar as famílias que querem sair das ruas. Segundo Claudius Vinicius Leite, os benefícios são custeados pelos Recursos Orçamentários do Tesouro (ROT) ou pela verba repassada pelo governo federal. E, para facilitar o acesso, a PBH mantém um banco de imóveis aptos a atender os programas.

Questionado por Braulio Lara sobre o acesso ao benefício, o depoente informou que o ROT possibilita o atendimento de 340 famílias e nunca esteve com a capacidade esgotada, e admitiu que existem dificuldades em atingir esse número: “Atualmente, 213 famílias recebem o benefício. Acredito que a dificuldade se deve à falta de procura por parte das famílias”, afirmou. O gestor revelou que, em 2020, a União enviou R$12 milhões, por meio de convênio com a Secretaria Municipal de Assistência Social, dos quais ainda restam R$10,5 milhões. Braulio mencionou que, segundo os dados apurados, aproximadamente 900 famílias foram encaminhadas para a Urbel, via Assistência Social, para inclusão nos programas. "Dessas, 303 foram inabilitadas por falta de comparecimento ao atendimento", relatou o diretor-presidente.

Claudius Vinicius salientou que o Município realizou uma busca ativa e conseguiu cadastrar mais de 500 famílias aptas a participar do programa do governo federal. “Além daquelas atendidas pelo ROT, outras 175 estão recebendo o benefício e outras 287 não acessaram o serviço”, disse. Ao ser perguntado sobre as razões desse desinteresse por parte da população, Claudius Vinicius afirmou que o padrão se repete também no programa Bolsa Moradia. Braulio Lara considerou que, aparentemente, há uma falta de conectividade entre as políticas, uma vez que os assistentes sociais alegam dificuldades para acessar os benefícios e a Urbel, que não faltam recursos.

Residência coletiva

O representante do poder público municipal reconheceu que existem, sim, complicadores, que, na maior parte das vezes, se devem à dificuldade de adaptação a uma residência após uma longa trajetória de rua. Ao afirmar que “tudo que essas pessoas têm vem da rua”, ele destacou que as histórias de vida são sempre muito dramáticas, sendo necessário um acompanhamento maior dessa transição. “Estudos mostram que 44% dessas pessoas têm problemas com a família e muitas outras, com o alcoolismo. Precisamos acompanhar mais de perto essas pessoas, por isso acredito que as residências coletivas podem dar um suporte melhor para elas”, ponderou.

Entre as causas do problema, o gestor pontuou a dificuldade de se relacionar em ambientes coletivos e de assumir compromissos como o pagamento de contas, o que os leva muitas vezes a desistir do processo. “Mesmo que elas ganhem a casa, elas precisam de maneiras de sobreviver”, afirmou. Segundo ele, muitos sobrevivem da cata de recicláveis, e, ao morar em condomínios, fazem a triagem dos materiais em áreas comuns, o que desagrada a vizinhança: “Muitas vezes, isso os leva a abandonar a residência ou até mesmo a vendê-la”, relatou.

Questionado sobre a possibilidade da venda de um imóvel conquistado por meio de subsídio, Claudius Vinícius afirmou que após dois anos é permitido vender, mas há condicionantes. “Só pode vender para o público do déficit habitacional da cidade e a venda tem que ser aprovada pela Urbel”, finalizou.

Assista à íntegra da reunião.

Superintendência de Comunicação Institucional

Oitiva do Subsecretário de Trabalho e Emprego da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Luiz Otávio Fonseca, para prestar informações relacionadas ao "Programa Estamos Juntos" - Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI - População em situação de rua