Pandemia prejudicou acesso a alimentos, aponta estudo da Fiocruz
Mulheres do Cabana do Pai Tomás reduziram consumo de algum alimento durante crise sanitária. Papel das redes de solidariedade foi destacado
Foto: Bernardo Dias/CMBH
Com o objetivo de discutir a insegurança alimentar de mulheres e suas famílias no contexto da pandemia, a Comissão de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor realizou, nesta segunda-feira (29/11), reunião com pesquisadores da Fiocruz e com uma líder comunitária da região do Cabana do Pai Tomás. Na ocasião, foram apresentados os impactos da pandemia da covid-19 na vida de mulheres moradoras do aglomerado localizado na Região Oeste da Capital no que diz respeito à alimentação. Os achados apresentados, que demonstram prejuízos no acesso a alimentos no período da pandemia, fazem parte do estudo “Covid-19, risco, impacto e resposta de gênero”, desenvolvido no Brasil pela Fiocruz e instituições parceiras. Bela Gonçalves (Psol), que é uma das requerentes da reunião juntamente com Iza Lourença (Psol) e Pedro Patrus (PT), irá solicitar à PBH dados sobre insegurança alimentar e acesso a alimentos em nível municipal, bem como deverá propor uma visita técnica ao aglomerado Cabana do Pai Tomás, com a presença de representantes do Poder Executivo, com o objetivo de conhecer as redes de solidariedade construídas na própria comunidade, as quais são responsáveis pelo apoio e pela distribuição de alimentos aos moradores em situação de insegurança. Bela Gonçalves também irá reforçar junto ao Executivo a necessidade de realização de um mapeamento dessas redes de solidariedade existentes em Belo Horizonte. A reunião com convidados foi uma atividade vinculada ao Grupo de Trabalho sobre Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional do Município de Belo Horizonte.
A pesquisa entrevistou mulheres de dois aglomerados urbanos - Cabana do Pai Tomás (na Região Oeste de Belo Horizonte) e Sapopemba (na Região Leste de São Paulo, capital) - e de duas comunidades quilombolas do Vale do Jequitinhonha: Córrego do Rocha, localizada na Chapada do Norte, e Córrego do Narciso, na cidade de Araçuaí. Durante a reunião, contudo, foram apresentados achados relativos ao aglomerado Cabana do Pai Tomás. Para o estudo, foram entrevistadas, neste aglomerado, 16 mulheres, de março a julho deste ano, sendo a maioria delas parda ou negra, com filhos e tendo a renda domiciliar indo de um a três salários mínimos. A maioria dessas entrevistadas afirmou que o consumo de algum alimento teve que ser reduzido durante a pandemia. “Eu moro com a minha mãe, eu não tive, eu não passei por necessidade, mas diminuiu muito, esse mês a gente não comeu carne mesmo, a gente teve que reduzir muita coisa em janeiro e fevereiro”, relatou uma mulher branca, de 27 anos, moradora do Cabana do Pai Tomás e participante da pesquisa.
Redes de solidariedade
Conforme apontou a pesquisadora da Fiocruz Minas, mestre e doutora em Sociologia pela UFMG, Brunah Schall, nove das 16 mulheres entrevistadas no aglomerado Cabana do Pai Tomás receberam cesta básica da PBH, contudo, tal ação não foi suficiente para sanar toda a demanda nutricional das famílias beneficiadas. Outro achado diz respeito ao fato de que 15 das 16 entrevistadas participaram de alguma forma na doação de alimentos em suas comunidades, salientando, portanto, a importância das redes de solidariedade.
“Tudo que tá sobrando dentro da casa da pessoa, ela tenta achar alguém pra doar, e aí cria essa rede de solidariedade dentro da comunidade”, relatou durante pesquisa da Fiocruz uma mulher parda, de 25 anos, moradora do Cabana do Pai Tomás, a respeito das ações tomadas pelos próprios moradores da comunidade no sentido de assegurar acesso a alimentos àqueles que passavam por situação de insegurança alimentar durante a pandemia.
O papel dos moradores e de suas associações comunitárias no processo de distribuição de alimentos ficou demonstrado pelos relatos das mulheres entrevistadas. De acordo com uma mulher parda, de 35 anos, moradora do Cabana do Pai Tomás, “sempre quando chega o pessoal, quando vem trazer cesta básica, que vai distribuir aqui na comunidade, como eu já sei as famílias que a gente sabe que tem a necessidade, que precisa, a gente, né, desloca praquela família, né, manda os nomes, manda a família procurar”.
A importância das redes de solidariedade no combate aos efeitos da pandemia também foi destacada pela líder comunitária Lúcia Helena Apolinária, que atua na região. De acordo com ela, milhares de famílias foram cadastradas nas associações comunitárias para recebimento de apoio, máscaras de proteção e de álcool doados como forma de enfrentamento à propagação do novo coronavírus. Ela destaca que as associações fizeram o que o poder público deixou de fazer em decorrência dos processos de invisibilidade a que os moradores de aglomerados estão submetidos.
Lúcia Helena também destaca que muitas pessoas ficaram desempregadas durante a pandemia, prejudicando o acesso dessas famílias aos alimentos. Segundo ela, com as medidas que levaram o comércio a suspender suas atividades, houve a necessidade de organização dos moradores do aglomerado no sentido de garantir apoio a famílias em situação de vulnerabilidade, as quais, em grande parte, tinham como referência uma mulher. Ela destaca, ainda, ter conhecido pessoas que, por terem renda relativamente alta, nunca haviam precisado acionar o poder público para sobreviver; hoje, contudo, após o início da pandemia, a situação mudou e essas pessoas chegam a passar por situação de insegurança alimentar. Ainda segundo ela, a grande demanda no aglomerado, mesmo com o avanço da vacinação contra o novo coronavírus e a retomada de atividades comerciais anteriormente suspensas, continua sendo o acesso a alimentos.
Bella Gonçalves destacou que, durante a pandemia, grande parte da alimentação em áreas periféricas foi assegurada por redes de solidariedade, e não pelo poder público. Ela destacou que enquanto o presidente da República propagava negacionismo e ausência de direitos, as lideranças comunitárias se responsabilizarvam por apoiar as pessoas em situação de vulnerabilidade. Conforme a parlamentar, as casas das lideranças comunitárias acabaram se tornando pontos de apoio para distribuição de alimentos, contudo, como ela salienta, tal distribuição deveria ter sido realizada pelo Estado. Ainda em referência às pessoas que não tiveram o devido apoio do Estado durante a pandemia, Bella Gonçalves afirmou que é necessário quebrar os fossos invisíveis que separam a cidade, e que colocam alguns em situação de subcidadania, isto é, sem o devido acesso a direitos básicos como à alimentação.
Encaminhamentos
A parlamentar explicou que, como encaminhamento da reunião, irá solicitar uma visita técnica à Cabana do Pai Tomás, incluindo nesta atividade representantes do Executivo, para que sejam conhecidas as redes de solidariedade formadas por moradores e suas associações comunitárias. Além disso, também será reforçada junto ao Poder Executivo a necessidade de mapeamento dessas redes. A parlamentar apresentará, ainda, pedido de informação para obter dados sobre insegurança alimentar e acesso a alimentos no município. Ao destacar a necessidade de acesso a dados para elaboração de políticas públicas, a parlamentar criticou o que considerou como prejuízos ao CadÚnico (registro que permite ao governo saber quem são e como vivem as famílias de baixa renda no Brasil), impostos pelo governo Jair Bolsonaro, que promove o desmantelamento do Programa Bolsa Família, bem como salientou a intenção de usar os dados a serem obtidos para propor ações por meio do Grupo de Trabalho sobre Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional do Município de Belo Horizonte, do qual é relatora.
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