COMISSÃO DE MULHERES

Invisibilidade de bissexuais impacta negativamente políticas públicas específicas

Participantes reclamam da falta de debates públicos e de banco de dados. Frente Bissexual Brasileira está organizando o Bi-Censo  

sexta-feira, 24 Setembro, 2021 - 15:15

Foto: Karoline Barreto/CMBH

Reivindicando o direito à diferença e o respeito à diversidade, em meio a um sistema considerado opressor e baseado em preconceito e padrões em relação à sexualidade, participantes de audiência pública da Comissão de Mulheres, realizada nesta sexta (24/9), falaram sobre a invisibilidade das pessoas bissexuais. Parlamentares e ativistas relataram sentimentos de insegurança, humilhações e desconfiança, além da falta de políticas públicas específicas para essa população, que esbarra na inexistência de dados oficiais sobre esse público. A possibilidade de falar sobre o tema e o aumento da representatividade LGBTQIA+ na Câmara Municipal de Belo Horizonte foram considerados avanços.

“Esse sistema capitalista que nos divide, que dissemina preconceitos para colocar pessoas comuns contra outras pessoas, baseado em opressões, na LGBTQfobia inclusive, é um sistema que padroniza tudo - nossas relações e ações -, e que precisa disso para que a maioria da população obedeça às hierarquias impostas sem questionar”, declarou a vereadora Iza Lourença (Psol) na abertura da reunião. Segundo Iza, as pessoas com orientações sexuais dissidentes, bisexuais, assim como as pessoas LGBTQIA+, subvertem esse sistema, desestabilizam essa divisão de papéis e de gênero imposta pela sociedade. “Ocupamos um lugar fluido, nos relacionando para além do gênero imposto e isso gera desconfiança sobre nós”, afirmou ao salientar a importância de falar sobre o tema para quebrar preconceitos e reafirmar a existência de pessoas bissexuais. A vereadora destacou que o momento atual apresenta uma “ofensiva conservadora neofacista” que quer fazer com que a sociedade retroceda. “Querem impedir que a sociedade avance na compreensão da diversidade humana e precisamos impedir esse retrocesso”, destacou. 

Bella Gonçalves (Psol) endossou a fala de Iza salientando que “a luta é contra o sistema de opressão que quer nos impedir de sermos felizes”. Ela argumentou que a invisibilidade da identidade bissexual causa uma série de sofrimentos e que reivindicar a visibilidade é “desejar o direito de ser”. Bella lembrou o aumento de LGBTQIA+ na Câmara Municipal de Belo Horizonte e o lançamento, no mês passado, de uma frente parlamentar com o apoio de vereadores héteros. 

A necessidade de desconstruir a ideia de que pessoas bissexuais não são confiáveis permeou a fala da vereadora Tallia Sobral (Psol- JF). Ela ressaltou que é preciso afirmar com frequência - para héteros ou não - que ser bi não é estar em dúvida nem uma condição passageira. Tallia enfatizou a falta de política pública voltada para a comunidade bi, a retirada de direitos e o aumento da violência contra a população LGBTQIA+ como frutos de um governo que não reconhece a diversidade. “Queremos reivindicar o nosso lugar na sociedade. Não temos que nos encaixar em padrões. Existimos e resistimos tanto no parlamento quanto na vida”, afirmou. Representante da Caminhada das Lésbicas e Bissexuais de Belo Horizonte, Beatriz Machado concordou: “Queremos ser vistas e ouvidas durante todo o ano”.

Falta de dados oficiais

A jornalista Vitória Régia da Silva, editora da revista Capitolina, também destacou a falta de dados sobre a população LGBTQIA+. Ela acredita que a inclusão de questões como identidade de gênero e orientação sexual no Censo Nacional vai ajudar a entender a população bisexual brasileira, quais são as suas especificidades e, a partir disso, ajudar na elaboração de políticas públicas específicas para este público. Segundo ela, apesar da luta constante para inserção destes dados no Censo Nacional, ainda não foi possível incluir essas demandas no questionário que será realizado no próximo ano. Vitória informou que a Frente Bissexual Brasileira está organizando o Bi-Censo a nível nacional para conhecer a população bissexual. Segundo ela, para que seja possível pensar em políticas públicas específicas, é preciso nomear e discutir o tema em espaços políticos “como estamos fazendo agora”.

Vitória citou dados do Ministério da Saúde que identificam problemas de saúde mental na população LGBTQIA+ e na bissexual, além de alto grau de vulnerabilidade. “São marcadores sociais que deveriam fazer da saúde mental o carro chefe no atendimento a essa população, tendo em vista que nossa saúde mental é muito fragilizada”, defendeu ao ressaltar a relevância de ter dados oficiais e políticas públicas consistentes para avançar. A realização do Bi-Censo também foi defendida por Sandra Munhoz, da Comissão Interinstitucional de Saúde da Mulher (Cisam). Ela também assinalou a importância de ter um recorte racial quando se fala em LGBTfobia, bem como de debater temas como cultura, saúde, entre outros. 

O vereador Gabriel (sem partido) destacou a ampliação da representatividade bi e LGBTQIA+ na CMBH. “A democracia é o lugar da diversidade e não do pensamento único. E a invisibilidade acaba a partir do momento em que gente como nós se torna cada vez mais visível ”, afirmou.

Ao acolher a fala de Tallia Sobral sobre a falácia de não ser confiável, Mariana Malory, do Movimento Afronte!, reforçou os incômodos recorrentes de ter que explicar que não é uma indecisão momentânea e de não poder falar abertamente sobre o assunto, “pois somos construídos para não dialogar sobre isso”. Ela lamentou que a relação entre duas mulheres seja erotizada socialmente e entre dois homens crie a expectativa de “saída do armário”, afirmando que essa atitude pode não corresponder à realidade e comemorou o fato de a juventude estar assumindo a própria sexualidade com coragem. Ela ainda se queixou sobre a falta de dados que possam subsidiar projetos e políticas públicas e afirmou que os bisexuais não são um subgrupo da população LGBTQIA+. “Isso vem da ideia de que, eventualmente, vamos escolher um lado. Temos que falar disso e com orgulho em todos os aspectos”, disse. Iza concordou e lamentou a existência de “gente que se incomoda com o amor''.

Após fazer um apanhado histórico da Frente Bi BH, o sociólogo Rodney revelou que pessoas LGBTQIA+ e bissexuais experimentam situações de medo, insegurança, frustração, humilhação e vergonha que fazem com que se sintam ofendidas, ridicularizadas e diminuídas, ou seja, “trazem uma experiência de sermos esvaziados na nossa própria humanidade”. Ele explicou que esse processo de desumanização contínua ao longo da história exige a criação de estratégias para reconstruir a subjetividade individual de forma que a pessoa possa se fortalecer internamente. Rodney também concordou com Iza sobre os impactos provocados por um sistema capitalista. “Vivemos em uma sociedade monosexista e heteronormativa e a monossexualidade nos oprime. Por isso tanto preconceito”. Ele revelou que não se identificava com o movimento GLS (gays, lésbicas e simpatizantes) e que aprova a extensão da sigla  para acolher todas as sexualidades dissonantes existentes. 

Assista ao vídeo da reunião na íntegra. 

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública para debater o tema: "Bissexuais - Re(Existem)" 29ª Reunião Ordinária: Comissão de Mulheres