Intensamente debatida, tração animal deve ser extinta em BH em dez anos
Texto prevê substituição de carroças por veículos de tração motorizada de baixo custo. Alguns trechos foram vetados e decisão caberá à CMBH
Foto: Abraão Bruck/CMBH
Após dividir, há pelo menos duas legislaturas, a opinião de trabalhadores, defensores dos animais e vereadores da Capital, as carroças puxadas por animais serão extintas em BH no prazo de dez anos. A Lei 11.285, que cria o Programa de Substituição Gradativa dos Veículos de Tração Animal, o Carreto do Bem, foi sancionada pelo prefeito Alexandre Kalil no Diário Oficial do Município (DOM), no último sábado (23/1). Alguns trechos do texto aprovado pela Câmara Municipal de Belo Horizonte foram vetados pelo prefeito, como a microchipagem obrigatória dos cavalos e as condutas para apreensão de animais em situação irregular. A decisão final sobre os vetos parciais caberá ao Plenário, que poderá mantê-los ou rejeitá-los. O texto que deu origem à lei foi apresentado em 2017 pelo então vereador e hoje deputado estadual Osvaldo Lopes (PSD), mas desde 2013 o tema já vinha sendo discutido em audiências públicas e foi alvo de manifestações contrárias e favoráveis na CMBH. Votado em 1º turno em 2018, o projeto chegou a ter a tramitação suspensa e foi finalmente aprovado em 2º turno na penúltima reunião ordinária de 2020. Em recesso parlamentar, vereadores repercutiram a nova lei por meio das redes sociais; o líder de governo, Léo (PSL), anunciou que serão previstas ações de capacitação dos condutores para operarem o veículo de tração motorizada e criadas políticas públicas para a transposição dos carroceiros para outros mercados de trabalho.
Carreto do Bem e vetos parciais
No texto sancionado pelo chefe do Executivo está prevista a substituição dos veículos de tração animal por de tração motorizada, e ainda a proibição da utilização da tração animal, em definitivo, no prazo de dez anos, contados a partir da publicação da lei. O descumprimento da norma implicará em aplicação de multa em valor a ser estabelecido pelo Executivo, que poderá firmar convênio com instituições públicas e/ou privadas, objetivando a implementação da lei.
Os trechos vetados pelo prefeito são dois artigos (3º e 6º) e dois parágrafos (1° e 2° do Art. 4°). O Art. 3° previa a identificação e o cadastramento dos condutores de veículos de tração animal, no prazo de um ano, bem como a verificação das condições de saúde e microchipagem dos animais utilizados nos veículos, em conjunto com assinatura de termo de guarda responsável do seu condutor. O dispositivo vetado também previa ações para viabilizar a capacitação dos condutores de veículos de tração animal a conduzirem transporte de tração motorizada, como também a migração, por meio de políticas públicas, dos condutores de veículos de tração animal cadastrados para outros mercados de trabalho.
Outro trecho barrado, o Art. 6º dizia que a execução do programa seria realizada por ação conjunta da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, da Secretaria Municipal de Saúde, da BHTrans, e da Guarda Municipal da cidade.
Ao justificar seu veto aos dois artigos, Kalil citou a inconstitucionalidade das proposições, uma vez que criam obrigações e dispõem sobre atribuições de órgãos da administração pública, determinando a forma de atuação do Poder Executivo, caracterizando a usurpação de iniciativa legislativa privativa do prefeito e a ocorrência de afronta à reserva de administração.
Também vetados, os parágrafos 1º e 2º do Art. 4º previam, respectivamente, que o animal encontrado em trabalho de tração fosse retido pelo agente fiscalizador, que deveria acionar o órgão municipal competente para realizar seu recolhimento; e o animal apreendido seria encaminhado ao Centro de Controle de Zoonoses para verificação das condições de saúde e alojamento, até que seja levado à adoção. Em relação a esses dispositivos, o chefe do Executivo alegou que, além da inconstitucionalidade, os trechos padecem de vício formal por violação ao princípio da separação de poderes.
Os vetos agora retornam à Câmara, onde será montada uma comissão especial para analisá-los. A decisão final cabe ao Plenário, que poderá manter os vetos ou derrubá-los.
Comissão de capacitação
O líder do governo na Casa, vereador Léo, utilizou as redes sociais para anunciar que “será formada uma comissão que prevê ações de capacitação dos condutores para operarem o veículo de tração motorizada e criação de políticas públicas para a transposição dos carroceiros para outros mercados de trabalho. Não somos contra os carroceiros, mas nossos animais merecem dignidade”, dizia a postagem.
Bella Gonçalves (Psol), vereadora reeleita que votou contra o projeto em 2º turno, também se manifestou em suas redes sociais, onde reproduziu uma declaração da Comissão Pastoral da Terra dizendo que “ao propor a substituição dos animais por motos adaptadas, [a lei] trata cavalos, mulas e burros como meras ferramentas de trabalho, mas que os carroceiros, no entanto, possuem outras formas de vínculo com esses animais, baseadas em relações de afeto e memória”.
O autor do projeto, Osvaldo Lopes, disse que BH se une a "dezenas de cidades evoluídas do país, que já estão substituindo a tração animal pela motorizada", e agradeceu ao prefeito pela sanção.
Gabriel (Patri) acompanhou o momento da sanção na Prefeirura e gravou um vídeo em que comemorou o fim das carroças em dez anos e dos maus tratos, quando existem, aos cavalos.
Parlamentares recém-chegados à Câmara também utilizaram suas redes sociais para se posicionar a respeito da lei. Miltinho CGE (PDT), que tem na defesa da causa animal uma de suas bandeiras, gravou um vídeo para seus seguidores na noite anterior à sanção do prefeito, explicando que a reunião confirmou a intenção do chefe do Executivo em sancionar parcialmente o texto, de modo a garantir a criação de uma comissão que elaborasse uma política de realocação dos trabalhadores. “A vitória chegou. Finalmente os equinos estão livres da escravidão”, comemorou o parlamentar.
Duda Salabert (PDT) se disse a favor do fim da tração animal, porém demonstrou preocupação após a sanção do prefeito. “A aprovação dessa lei me causou mais apreensão do que alegria. Não basta proibir sem a criação de políticas públicas que garantam a renda dos carroceiros. Lembremos: eles desempenham um trabalho relevante para a cidade, sobretudo por atuarem como agentes ambientais, responsáveis pela destinação correta de resíduos”, declarou na postagem.
A preocupação com a questão social também foi expressa em comentários feitos nas redes sociais das vereadoras Macaé Evaristo (PT) e Iza Lourença (Psol). Iza lembrou que a “questão ambiental e defesa dos animais precisa se conectar com o combate à desigualdade social”. Já a parlamentar do Partido dos Trabalhadores lamentou a aprovação: “Infelizmente não conseguimos evitar a sanção, Kalil já estava com seu posicionamento. Apesar de não ter participado desse processo, reafirmo minha posição de apoio aos carroceiros. Entendo que a atividade faz parte do modo de vida desta comunidade tradicional e precisa ser respeitada”, declarou em seu post, em que reafirmou ainda a necessidade da comunidade continuar se mobilizando.
Zona da Mata e outras cidades
O banimento do transporte de carga por meio de veículos de tração animal é um tema que já vem sendo pensando por outras grandes cidades brasileiras. Ao menos, os municípios do Recife (PE), Canoas (RS) e Florianópolis (SC) já têm dispositivos semelhantes que vedam a circulação das carroças puxadas por animais em suas ruas.
Em Florianópolis, a norma foi aprovada no ano de 2015 e a capital catarinense teve então dois anos para se adaptar. Desde 2017 não há circulação de carroças nas ruas da cidade. Em Canoas, a lei foi aprovada em 2018 e o município teve dois anos para promover as mudanças. Já a capital de Pernambuco aprovou o banimento da tração animal lá atrás, em 2013, porém só em 2018 o município regulamentou a norma, após determinação do Tribunal de Justiça. A cidade do Recife teve então dois anos para efetivar a medida.
Já aqui em Minas Gerais, a cidade de Juiz de Fora, na Zona da Mata, teve uma lei semelhante sancionada em 2014. A medida que entraria em vigor em cinco anos, em 2019, teve fiscalização iniciada apenas em janeiro de 2020, quando um termo de acordo foi firmado entre a Prefeitura, o Ministério Público do Estado e o Conselho de Proteção Animal. A multa para o flagrante do uso de transporte de carga utilizando a tração animal é punida com multa no valor de R$ 500,00.
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